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Articulo
Revista Universitaria de Geografía
versión On-line ISSN 1852-4265
Rev. Univ. geogr. vol.16 no.1 Bahía Blanca 2007
Turismo e desenvolvimento local em uma ilha fluvial na Região Metropolitana de Belém: o caso da ilha de Mosqueiro na Amazônia brasileira
Maria Goretti da Costa Tavares3 - Kleber dos Santos Gomes4 - Maria Augusta Freitas da Costa5 - Willame de Oliveira Ribeiro6
3 Docente-Intestigadora, Universidade Federal do Rio de Janeiro; Faculdade de Geografia e Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal do Pará e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, mariagg29@gmail.com
4 Bolsista de Iniciação Científica do CNPQ.
5 Bolsista-Docente, bolsista de Iniciação Científica do CNPQ, IESAM, Instituto de Ensino Superior da Amazônia, gusta@ufpa.br
6 Bolsista-Docente, de Iniciação Científica do CNPQ, UVA-Universidade do Vale do Acaraú, Belém, mwfribeiro@yahoo.com.br
Resumo
Com a perspectiva de contribuir com a produção de conhecimento sobre Mosqueiro, a presente análise discute a formação histórico-territorial da ilha, que se torna um espaço de atrativo turístico para veranistas que aí passam a estabelecer suas segundas residências. A discussão busca relacionar esse papel de Mosqueiro com a questão da proposta de emancipação do Distrito, da especulação imobiliária em decorrência do atrativo das praias fluviais e com projetos de turismo ecológico.
Palavras chaves: Turismo; Amazônia; Desenvolvimento Local.
Resumen
Con la perspectiva de contribuir al conocimiento de Mosqueiro, el actual análisis discute la formación histórico-territorial de la isla y la posible conversión en un espacio de atractivo turístico para los habitantes de la segunda residencia inician allí a establecer sus residencias. La discusión busca relacionar el papel de Mosqueiro con la cuestión de la propuesta de la emancipación del distrito, la especulación de lãs propiedades inmobliarias como el resultado del atractivo de las playas fluviales y de los proyectos del turismo ecológico.
Palabras clave: Turismo; Amazônia; Desarrollo Local.
Abstract
With the perspective of contributing to the knowledge production on Mosqueiro, the present analysis presents the historical-territorial formation of the island that has become a space of touristic attraction for summer vacationer who begin to establish their second residences there. The discussion aims at relating this role of Mosqueiro to the subject of the District emancipation proposal, the real state speculation due to the fluvial beaches attraction and to ecological tourism projects.
Key words: Tourism; Amazônia; Local Development.
Introdução
A ilha de Mosqueiro, localizada a 80 km da cidade de Belém, sempre teve um papel importante no contexto da Região Metropolitana de Belém como espaço de lazer desde o início do século XX, durante o período áureo da economia da borracha na Amazônia.
O adensamento populacional desse reduto do veraneio paraense tem provocado impactos ambientais. Assim como as particularidades ecossistêmicas da ilha, cujos aspectos naturais são os atrativos para sua valorização como espaço do ecoturismo, setor da economia que cresce 10% ao ano (Figueiredo, 1999), vem sofrendo perdas significativas de suas potencialidades.
O turismo se constitui num dos principais geradores de renda para a população da ilha. Tal atividade tinha nos balneários o elemento central de atratividade, todavia observa-se a estagnação desse espaço como estimulador do fluxo turístico das classes médias e altas, principais estimuladoras da economia local. Nessa perspectiva, é possível que os refúgios naturais ainda existentes na ilha sejam os atrativos de reorganização e de potencialização de seu espaço, desde que considerados elementos do "capital natural" e do "capital social" aí existentes.
No trato do desenvolvimento local do Distrito de Mosqueiro, a exuberância da natureza vislumbra a atração a partir do ecoturismo, atividade que pode, em conjunto com peculiaridades humanas, transformar-se em fator de inserção e melhoramento dos sistemas tradicionais de padrão nutricional e de saúde de sua população, portanto, melhoria da qualidade de vida.
Essa perspectiva não pode desconsiderar o que até agora tem se materializado no espaço socialmente produzido da ilha, que retrata a degradação do seu meio ecológico e, o conseqüente comprometimento da qualidade de vida da população local. A ponderação desses fatores é de relevância para os estudos geográficos, na medida em que ressaltam o jogo de influência entre sociedade e natureza (Mendonça, 1989).
Por isso, identificar ações, gestadas por iniciativas governamentais e privadas, e a natureza das mesmas na ilha de Mosqueiro, pode ajudar a refletir a propósito de políticas concernentes à conservação e de propostas alternativas viáveis no sentido de conciliar a presença do homem em meios ecológicos específicos, atentando para os anseios de bem-estar, de forma a permitir a constituição de um potencial recrutamento de indicadores informativos a serem utilizados em estudos mais específicos sobre essa ilha fluvial.
É nesse sentido que na presente discussão buscou-se considerar a formação histórico-territorial da ilha, bem como identificar a espacialidade das ações do poder público municipal e da iniciativa privada e compreender em que medida as mesmas têm permitido o desenvolvimento sócio-espacial, entendido neste estudo como um processo de transformação amplo, dentro do qual a elevação do padrão de vida do conjunto da sociedade local é o seu resultado mais importante, de forma a atingir melhores níveis de eqüidade, de autonomia, de justiça social e de identidade territorial (Souza, 1997).
A ilha: formação histórico-espacial e atratividade turística
A história de Mosqueiro começa ainda no período colonial, quando no atual Bairro de Carananduba, que era Nossa Senhora da Conceição do Benfica, foram erguidas no século XVIII as primeiras habitações coloniais, a fazenda Santana, na praia do Paraíso, que hoje está em ruínas, e, do outro lado, a fazenda ou sítio Conceição, ainda preservada.
Em Mosqueiro, os colonizadores se estabelecem nos terrenos altos, os "caris" na língua indígena, próximos da enseada, onde dispunham de segurança para suas embarcações. Quando chegaram à ilha, os portugueses já encontraram os índios Tupinambás (os "filhos de Tupã"), que fugiram do Nordeste após as invasões estrangeiras no litoral brasileiro.
No campo político-administrativo, Mosqueiro foi elevada à categoria de Freguesia pela Lei n. 563, de 10 de outubro de 1868, e mais tarde ganhou status de vila, através da Lei n. 324, de 6 de julho de 1895.
"Está assentada á 27 kilometros da cidade de Belém, na ponta de uma grande ilha, situada na costa oriental do rio Pará, entre as bahias do Sol e de Santo Antonio. Clima saudável, situação bella, terreno alto e fértil, circundado por uma praia de área branca que se estende desde a Bahia de Santo Antonio até a do sol.
Do centro da ilha nascem os rios - Pratiquara e Mari-Mari, que despejão na Bahia de Santo Antonio, e S. Francisco, que sahe entre o Chapéo-virado e a ponta de Marahú, abaixo da freguezia, sendo os dou primeiros muito habitados.
Compõe-se a freguesia de 40 casas de telha, algumas de palha, dispostas em uma larga praça e duas ruas; igreja pequena, cemitério, 3 casas de negócio, 2 escolas publicas, 2 padarias, uma foguetaria, 500 habitantes na povoação, pouco mais ou menos, 1 engenho de canna movido a vapor e 4 olarias.
Abaixo da povoação, cerca de 6 kilometros, está situado o pharol dioptrico de 62 ordem denominado Chapéo Virado - na ponta de terra assim chamada. A maioria dos habitantes vive de pesca. Exporta alguns fructos para o mercado da capital e tem navegação a vapor com esta e com as povoações da costa duas vezes por mez" (Baena, 1885: 23).
A partir do ciclo da borracha, a vila entrou num processo de grandes mudanças. Junto com Belém, Mosqueiro passou a conviver com a riqueza e o luxo e a usufruir as benesses trazidas pelo acelerado desenvolvimento registrado na capital. Chegaram os ingleses da "Pará Electric Railways Company", responsáveis pela instalação de energia elétrica e de meios de transportes internos. Vieram também alemães, franceses e americanos, funcionários de companhias estrangeiras como a "Port of Pará" e a "Amazon River".
"Mosqueiro, tem agencia postal e do telegrapho subfluvial da Amazon Telegraph; tem um grupo escolar (...), possue um ferro carril até a belíssima praia do Chapéu Virado, ao norte da villa, estação balneária; esse transporte, inaugurado a 10 de janeiro de 1904, está muito melhorado; a villa é illuminada à luz electra. Tem um bom mercado publico,vários clubs recreativos; possue uma boa ponte metálica (inaugurada a 6 de setembro de 1908) para atracação dos vapores, cujo serviço, de Belem, é feito diariamente" (Braga, 1919: 361).
Os estrangeiros também começaram a fazer de Mosqueiro um refúgio nos finais de semana, feriados e períodos de férias. Não demorou para que os seringueiros e balateiros da região do Marajó seguissem os passos dos europeus e americanos, e começassem a erguer na orla suas casas de veraneio. Trapiches eram construídos em frente às residências para facilitar o transporte.
A abertura da rodovia (década de 1970), ligando a capital à ilha, inicia uma segunda fase de ocupação da ilha. A construção da estrada, que levou anos para ser concluída, pode ser dividida em três fases: a primeira inclui o trecho que vai de Benevides ao Furo das Marinhas, onde termina o continente; a segunda, vai do Furo até o povoado de Carananduba; e a terceira é a abertura do ramal até o Chapéu Virado.
Com a rodovia, veio a travessia de balsas pelo Furo das Marinhas. A ligação definitiva com o continente foi feita pela ponte denominada "Sebastião de Oliveira", erguida sobre o Furo, com 1.457,35 metros, inaugurada em 12 e janeiro de 1976, pelo então presidente da República, general Ernesto Geisel. A ponte encurtou a distância e deixou Mosqueiro muito mais acessível à população. No entanto, com o aumento do fluxo de veranistas e turistas, acelera-se a especulação imobiliária, o consumo dos locais turísticos e o aumento das pressões antrópicas sobre o meio ambiente. Essa importância que adquire a ilha como espaço turístico, de lazer e de segunda residência para moradores de Belém principalmente, redefine a correlação de forças políticas existentes, sendo esta uma motivação que coloca Mosqueiro como um dos distritos a pleitear emancipação do Município de Belém.
Neste sentido, abordaremos três aspectos que estão relacionados diretamente à questão do desenvolvimento local na ilha: a proposta emancipacionista de Mosqueiro; a expansão da atividade imobiliária, expressão da atratividade desse espaço, especialmente nas suas praias fluviais; e uma proposta alternativa relacionada ao ecoturismo. A discussão desses elementos, como partes da dinâmica sócio-espacial de Mosqueiro, busca apontar questões que nos levem a problematizar o sentido do desenvolvimento sócio-espacial que, nos parece, ser central para compreender a realidade analisada.
A proposta emancipacionista do distrito de Mosqueiro
A criação de um município é geralmente o resultado do fortalecimento econômico de um setor da sociedade local que passa então a reivindicar o poder político, para, assim, poder delimitar e melhor controlar o território (Tavares, 1992). Isso se tornou bem mais evidente a partir da adoção do processo de descentralização político-administrativa como resposta à crise do Estado, pois o fortalecimento do poder político local foi acompanhado do reforço do poder das elites sociais e do poder econômico local, passando este último com mais vigor a reclamar a criação de novos municípios com vistas a atender seus interesses, em especial, os de caráter econômico.
A divisão do território com vista ao estabelecimento de autonomia político-administrativa resulta na criação de um novo Município. O fortalecimento dessa esfera do poder estatal acabou elevando o número de propostas e projetos de emancipação no território do Brasil, dentre as quais, aparece a proposta emancipacionista do Distrito Administrativo de Mosqueiro, na capital do estado do Pará.
É nesse contexto que aparece a proposta emancipacionista do Distrito Administrativo de Mosqueiro. A primeira tentativa nesse sentido ocorreu no início da década de 1990, no entanto, foi arquivada na Assembléia Legislativa do Estado do Pará pela histórica não aprovação da proposta no plebiscito realizado em 1991. Histórica, primeiro porque das dez propostas de emancipação de localidades paraenses apresentadas pelo atual Deputado Federal Niciais Ribeiro, na época Deputado Estadual, apenas a de Mosqueiro não foi concretizada em municipalidade; segundo, porque o número de abstenções no plebiscito foi de aproximadamente 60%; e dos votos válidos, cerca de 80% foram contrários (323 "sim" e 1.868 votos "não" à emancipação do distrito), comprovando, dessa forma, a não identificação da população de Mosqueiro com a proposta.
No início do presente século surge um novo projeto de divisão territorial do Município de Belém com finalidade de promover autonomia político-administrativa de Mosqueiro. Esse novo projeto aparece fortalecido pela baixa popularidade da administração municipal nesse distrito e pelo alto grau de correlação entre o relator da proposta - o Deputado Estadual César Colares que, ao contrário do Deputado Nicias Ribeiro, tem vínculo com o Distrito, e foi prefeito do Município de Santa Barbara, limítrofe e via de acesso à ponte Sebastião de Oliveira, sobre o Furo das Marinhas, ponte que liga o distrito ilha ao continente - com as forças locais interessadas na emancipação.
A atividade turística cresceu na ilha desarticulando outras atividades anteriormente praticadas na ilha, como a pesca, sem, todavia, gerar benefícios para os grupos humanos nativos de Mosqueiro, como declara Cardoso (2000). Mas essa atividade gerou um poder social de elite e um poder econômico local, como demonstrou os relatos dos moradores da ilha - donos de postos de gasolina, de hotéis, de bares e restaurantes e comerciantes em geral, principalmente os donos de lojas de materiais de construção.
É neste momento que emerge a relevância dessa atividade no âmbito da discussão emancipacionista de Mosqueiro, pois, como afirma Mesquita (1992), os movimentos de redivisão territorial são, geralmente, conduzidos por interesses econômicos e pelas elites sociais locais que, motivados, especialmente pela intensificação da descentralização político-administrativa de várias atividades pelo governo federal, anseiam alcançar o poder político local. No caso mosqueirense, isso se intensifica pelo processo de descentralização da atividade turística, realizada pela esfera federal através do Plano Nacional de Municipalização do Turismo (PNMT). O turismo é evidenciado como sendo a base de sustentação da ilha, "a salvação da lavoura", como afirmam alguns. E um projeto de descentralização dessa atividade poderia fortalecer o local se este assumisse a condição de município.
Dessa forma, a descentralização do turismo e dos demais setores é uma estratégia implementada de cima para baixo, ou seja, não parte de uma perspectiva autonomista e conseqüentemente não resulta num desenvolvimento sócio-espacial de fato.
Dessa forma, a autonomia político-administrativa de Mosqueiro poderá beneficiar alguns poucos grupos dos setores do poder hegemônico desse local, em outras palavras, o poder social da elite e o poder econômico local que provém da atividade turística e, sendo assim, seriam beneficiados duplamente com o poder político local e com o reforço da atividade turística pela não completa descentralização, mas, como alguns repasses de verbas, municipalização dessa atividade pelo PNMT. Pois como aponta Tavares (1992) e observa-se nos trabalhos de campo realizados, os grupos minoritários, a maioria da população local ficará marginalizada do processo de construção do Município de Mosqueiro: "a discussão não tá na população, mas em pensadores, políticos, acadêmicos, comerciantes que o povo é massa de manobra" - Pescador, morador da Baía do sol (Mosqueiro), presidente da Colônia de Pescadores de Mosqueiro.
Sem a participação da maioria da população o processo de autonomia político-admisnitrativa de Mosqueiro, não promoverá o desenvolvimento da área, bem como a atividade turística, que se manterá como relatou Cardoso (idem): sem provocar qualquer melhoria de qualidade de vida à população mosqueirense. A qualidade de vida é um dos parâmetros indicadores, de acordo com Souza (2002) do desenvolvimento sócio-espacial, essa (a qualidade de vida) entretanto, só pode ser alcançada com um aumento da justiça social em Mosqueiro mas, para que haja justiça social é necessário que todos tenham autonomia individual e coletiva para decidir o que deve ser realizado na ilha de Mosqueiro, contudo, é possível que um grupo muito restrito será o responsável por gestar o Municipício, se esse for criado.
O turismo e a especulação imobiliária: a praia do Paraíso
Em Mosqueiro, expressão da particularidade amazônica, as preocupações com os ecossistemas não se concretizaram. Houve sim uma intensificação ferrenha dos recursos naturais transformando parte considerável das características naturais do local. Os processos de apropriação espoliativos se expandiram alcançando áreas cuja fragilidade ecológica requer manejo adequado, como as faixas de domínio dos rios e igarapés, metamorfoseando as formas preexistentes, definindo novas estruturas e funções, construindo meios ecológicos que aviltaram a qualidade de vida dos moradores dessa ilha (Cardoso, 2000).
Exemplo disso é a praia do Paraíso, que vem passando por intensas transformações nos últimos anos. Ressalta-se que a especulação imobiliária é um processo que reúne uma série de motivações que estão associadas a fatores de desenvolvimento industrial, comercial, urbanístico e turístico; com isso o processo de especulação imobiliária que vem ocorrendo na praia do Paraíso está diretamente motivado pela valorização turística da referida praia, já que a mesma recebe grande número de turistas principalmente nos meses de férias escolares, mês de julho, período denominado na região Norte como de veraneio, e nos dias de feriado ou fins de semana prolongados; sendo esse fluxo, portanto, considerado um dos elementos essenciais para as transformações verificada na ilha.
A dinâmica especulativa imobiliária na orla fluvial da praia do Paraíso possibilitou a valorização do solo nesse espaço por intermédio de seu uso, o qual passou a ter significativa importância para o processo de produção e reprodução de capital, pois assume sentido de consumo (casas de veraneio). Villaça (1993) argumenta que a terra, a partir de sua valorização em um mercado especulativo imobiliário, passa a se caracterizar como terra-capital ou terra-localização, que assume um caráter urbano; enquanto que a análise através do aspecto de produção análoga da terra-fertilidade, assume caráter agrícola.
Villaça (1993) ainda enfatiza que a renda diferencial da terra é diretamente fundamental para a especulação imobiliária, pois extrai da terra o seu valor nas seguintes formas: a) absoluta, quando corresponde ao valor pago pelo uso da terra matéria, ou seja, o valor que ela apresenta dentro de um espaço ainda não modificado; b) como juro ou amortização do capital, sendo fruto de investimentos sobre a terra (loja, banco, escritório etc); e c) juro e amortização da terra-localização, a qual corresponde à parcela de capital disponibilizado pela funcionalidade da localização, no caso, o exemplo pode ser atribuído à orla fluvial da praia do Paraíso, pois a valorização de seu espaço se dá principalmente pelo fator turístico, devido, sobretudo, à acessibilidade.
Apoiados em Guerra (1995), pode-se entender a orla fluvial da praia do Paraíso como um ambiente predominantemente físico, estando situada aproximadamente em uma zona litoral, onde os efeitos da maré são visíveis e o contato com as amenidades naturais ainda encontra-se bastante presente. Além disso, a diversidade de ocupação espacial do Paraíso possui, como já mencionado, valor de troca, podendo ser entendida através da relação de aspectos que envolvem elementos naturais (ex: a praia) e artificiais (ex: infra-estrutura hoteleira).
O Hotel Fazenda Paraíso implantado durante a década de 90, vem provocando várias transformações na área de orla da praia e é o responsável por fazer do Paraíso um local de atrativo turístico.
Outra categoria de agente identificada como grande motivadora das transformações na praia do Paraíso são os corretores imobiliários, e especialmente, a corretora imobiliária Moradia & Imóveis1. Esses agentes começaram a desenvolver os seus empreendimentos na área a partir do ano de 1992, quando passaram a vender um loteamento2 com 350 m² de frente por 1.200 m² de fundo de proprietários particulares, dentre estes os Travassos, família bastante conhecida e tradicional que possuía residência no Paraíso.
Estes agentes utilizam como estratégia de ação para a venda dos loteamentos no Paraíso, a paisagem natural e exótica da praia fluvial; estratégia esta nitidamente observada em anúncios de jornais, nas faixas espalhadas pelo ramal de acesso à praia e em toda a extensão da orla fluvial. Torna-se fundamental enfatizar ser essa corretora imobiliária o agente de maior especulação imobiliária no Paraíso e responsável pela abertura de ruas e alamedas que possibilitaram a consolidação do bairro do Paraíso.
É importante lembrar também que as possibilidades de impacto ambiental decorrente desses loteamentos é iminente, seja pela extinção de espécies animais ainda existentes nessa parte da ilha, seja pela a ausência de cobertura vegetal, e mesmo pela extração mineral de areia, barro e pedras que se destinam às estâncias de materiais de construção; sendo esta última uma atividade que cresce cada vez mais na ilha.
Tanto o proprietário do Hotel Fazenda Paraíso, como os corretores imobiliários são estritamente favoráveis à emancipação de Mosqueiro, pois acreditam que o distrito reune condições suficientes para se tornar um município, uma vez que possui receitas decorrentes de impostos, como o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), licenciamentos para estabelecimentos de empreendimentos e comércios, licenças especiais em meses de veraneio, ICMS (Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços), dentre outros, que possibilitam arrecadar recursos para iniciar em Mosqueiro uma possível administração municipal autônoma de Belém.
Na visão da administração distrital na época, o Paraíso é uma área problemática devido ao intenso mercado imobiliário que desestruturou, de certa maneira, a paisagem natural dessa parte da ilha. Portanto, qualquer projeto urbanístico a ser realizado no Paraíso necessitaria de um processo de reorganização espacial completo, que envolveria: a reestruturação de barracas de sua orla, de legalização de loteamentos, estudos técnicos da CODEM e SEURB (Secretaria Municipal de Urbanismo), construção de infra-estrutura adequada.
Ainda para a administração distrital, o turismo e o desenvolvimento seriam metas a ser alcançadas pela Prefeitura Municipal de Belém e haveria vários projetos elaborados com este objetivo, a exemplo do projeto de desenvolvimento sustentável destinado à pesca, e estimado em R$ 16.000.000 (dezesseis mil reais), visando a beneficiar mais de 600 pescadores em Mosqueiro (valores de dezembro, 2005), inclusive do bairro do Paraíso, tendo sido liberado para o início do projeto cerca de R$ 700.000 (setecentos mil reais). Outro exemplo de atuação do poder municipal mencionado, é o programa, chamado na época de Banco do Povo, um banco responsável por conceder micro-créditos a pessoas sem recursos e descapitalizadas e que beneficiou, através de empréstimos, barraqueiros da praia do Paraíso.
Vale destacar também as ações de legalização da ocupação espontânea "Vale do Paraíso", por meio das quais a administração pública municipal estabeleceu procedimentos de regularização de lotes ocupados que compreendem cerca de 250 residentes estabelecidos no bairro do Paraíso.
A partir dos levantamentos realizados na área, constatou-se que a dinâmica especulativa imobiliária em curso na orla fluvial tem como principal conseqüência a elevação do preço dos imóveis na área. Neste aspecto, a valorização do solo urbano às proximidades da praia é flagrante; processo este que também é estimulado e respaldado pela intensa valorização turística local, decorrente das amenidades naturais que essa parte da ilha oferece e que não se apresentam da mesma maneira em praias consideradas mais centrais de Mosqueiro, a exemplo do Farol e Murubira. Esta é a razão pela qual se faz cada vez mais presente a construção de casas de veraneio (segunda residência). É importante ainda mencionar que a orla fluvial da praia do Paraíso ainda não disponibiliza de recursos logísticos essenciais para o atendimento de serviços a esta nova população que almeja constituir segunda residência no Paraíso, com isso há a ausência de infra-estrutura mais adequada, padronizada e qualificada como: redes de transportes que possibilitem um acesso mais rápido, rede de saneamento básico, pavimentação da avenida principal da orla da praia, calçamento, muro de arrimo, bem como um sistema de rede maior de energia em comparação com o já existente, o qual se apresenta muito precarizado.
O exemplo do Paraíso serve para mostrar uma face do processo de produção do espaço na ilha de Mosqueiro. Um outro aspecto desse mesmo processo diz respeito à condição da ilha como novo espaço de assentamentos espontâneos para fins urbanos e rurais no contexto da Região Metropolitana de Belém. Nos últimos anos, além das ocupações urbanas para efeitos residenciais decorrentes de uma forma de expansão da moradia precária em outros municípios da Região Metropolitana, como Ananindeua, Marituba, Benevides e Santa Bárbara, Mosqueiro tornou-se, igualmente, espaço que abriga grande parte dessas formas de assentamentos, que não se limitam ao uso urbano.
Uma das expressões recentes de ocupação do espaço na ilha está relacionada ao "Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra" (MST), que definiu nos últimos anos um espaço de auto-assentamento no interior da ilha, a "Ocupação Mártires de Abril", cujo processo foi iniciado no ano de 2000.
Fato marcante também nos últimos anos tem sido a presença cada vez maior da população de baixa renda que passa a freqüentar de maneira recorrente as praias fluviais da ilha. Esse processo foi em grande parte facilitado por uma ação originária da Prefeitura Municipal de Belém há alguns anos atrás a respeito da padronização dos preços das passagens de ônibus que passaram a ter preço similar àquele praticado no interior do espaço urbano de Belém. Com tal medida, que fez baixar o preço da tarifa entre Belém e Mosqueiro, a população de baixa renda teve o acesso à ilha facilitado.
Esse fato, associado aos problemas de poluição das praias e outros de ordem ambiental que se mostram mais presentes hoje na ilha, têm levado a uma situação de comprometimento da imagem bucólica que se tornou referência de Mosqueiro; sendo essas inclusive algumas das razões que têm sido justificada pela iniciativa privada e pelo poder público para justificar a diminuição gradativa do número de visitantes na ilha e pelo pouco dinamismo da atividade turística nos últimos anos.
Elemento marcante, entretanto, tem sido, igualmente, o comprometimento da qualidade de vida da população local, que não se encontra satisfatoriamente inserida na dinâmica sócio-econômica que se impõe à ilha. Por outro lado, sendo o turismo o principal gerador de renda para a população local, tendo os balneários como principais atrativos, a estagnação desse espaço como estimulador do fluxo turístico das classes médias e altas, principais estimuladoras da economia local, também repercute nas formas e estratégias de sobrevivência da população local ligada àquela atividade.
O fortalecimento do veraneio como atividade turística, que nasce como produto do urbano, desarticulou as comunidades locais. A pesca, principal atividade geradora de renda, foi paulatinamente sendo substituída pela prestação de serviços e pelo comércio. No entanto, as estruturas montadas para atender ao fluxo turístico não são usufruídas pela população local. O cenário que prevalece é o da baixa renda e de grande ausência de infra-estrutura econômico-social.
O ecoturismo e a O turismo ecológico e a Trilha Ecológica Olhos D'Água
A atividade ecoturística na região amazônica compõe uma mercadoria mediada pelo próprio nome dessa região, a partir do qual são agregados todos os eventos ecoturísticos e todas as multiplicidades espaciais de sua totalidade. É dessa forma que emerge a materialização de um produto do turismo ecológico na ilha do Mosqueiro, apontada como uma maneira de restabelecer o atrativo bucólico do lugar: a Trilha Ecológica Olhos D'Água.
Essa trilha aloca ao circuito produtivo do turismo ecológico três comunidades do sudoeste de Mosqueiro: Espirito Santo, Caruaru e Castanhal do Mari-Mari. Projeta-se como fomentadora de emprego e geração de renda para essas comunidades, como valorizadora da singularidade e da diversidade sócio-ambiental dessas localidades e como estimuladora da preservação ambiental e da participação da população local, premissas dessa vertente do circuito produtivo do turismo.
A Trilha, que faz parte dos movimentos turísticos da ilha desde 1998, quando ainda era denominada "I Trilha Ecológica de Mosqueiro" e tinha um percurso que durava apenas três horas, abarca uma área que compreende solo de terra-firme do tipo areno-argiloso, cuja composição arbórea é predominantemente de mata de capoeira, mas que resguarda espécies vegetais da floresta primitiva. Localizada no entorno do Parque Ambiental de Mosqueiro, com o qual compartilha semelhanças físicas e onde estão assentadas seis comunidades - Castanhal do Mari-Mari, Caruaru, Espirito Santo, Itapiapanema, Tucumandeua, Tabatinga, a trilha capta peculiaridades sociais e ambientais das duas primeiras comunidades e conta com um ponto de apoio (restaurante) na comunidade do Espírito Santo. Essas comunidades, como seus moradores as autodenominam, de acordo com a Universidade Federal do Pará (2002), têm seus fundamentos nos trabalhos pastorais da igreja católica que agregam a população em função de um santo ou santa.
A composição paisagística desta destas comunidades é marcada pelas características de várzea, com presença de palmeiras, floresta de várzea de maré, com predominância de espécies de mangue e/ou de lianas, floresta secundária aluvial de terra-firme e floresta de terra-firme com cipó (Universidade Federal do Pará, 2002). Nesta área foi implementado um projeto ecoturístico, a Trilha Olhos D'Água, que, apesar de delimitar-se em um antigo caminho de 3.688 metros de extensão em solo de terra-firme utilizado pelos moradores das comunidades de Castanhal do Mari-Mari e Caruaru para interligá-las, propicia a observação da exuberância dos ecossistemas fluvial e costeiro dos rios encontrados nessa região do setor sudoeste da ilha de Mosqueiro, pois, o acesso à Trilha é realizado por meio fluvial em um percurso que dura em torno de quarenta minutos do trapiche existente na Vila de Mosqueiro até o Castanhal do Mari-Mari. O retorno à Vila de Mosqueiro também é realizado via fluvial até outro porto -o porto Pelé, no rio Murubira-, quando é possível visualizar as placas delimitadoras do Parque Ambiental de Mosqueiro e a paisagem de várzea ali encontrada. No próprio percurso em terra-firme, entre as duas comunidades, observam-se as peculiaridades naturais provenientes da relação terra/água, pois vários furos e igarapés drenam os espaços dessas comunidades, sendo encontrados, em vários pontos dessa Trilha, olhos d'água, derivando daí o nome da Trilha.
Entretanto, a dificuldade de proporcionar a visualização desses olhos d'água aos visitantes originou uma especulação a respeito de uma possível troca do nome, o que não ocorreu. O projeto foi implantado em 1998, tendo a agência distrital de Mosqueiro (ADMO) como parceira. No ano de 2002, a Trilha Olhos D'Água fez parte de um projeto, que, de acordo com a ex-Fundação de Parques e Áreas Verdes de Belém, atual Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) culminou com o levantamento do inventário faunístico e florístico da área, com a sinalização interpretativa da Trilha e com o envolvimento mais participativo das comunidades, que poderiam fazer da trilha uma importante fonte de recursos (FUNVERDE, 2002).
A partir de novembro de 2003, a Prefeitura de Belém (PMB), através da Belemtur passou a elaborar um plano de reestruturação da gestão da Trilha, cujo objetivo principal é transferir o seu controle para as comunidades envolvidas. Essa ação da Prefeitura de Belém, a priori, permitiria autonomia às comunidades alocadas ao longo da Trilha, necessária, conforme sugere Souza (2002), ao efetivo desenvolvimento sócio-espacial, mas também é vista com temeridade por todas as pessoas envolvidas com a Trilha nas três comunidades:
"Não deveria fazer isso não. Ela [Belemtur] deveria fazer como experiência, antes do mês de julho pra ver como a comunidade se sairia." (Moradora da comunidade Caruaru, 31 anos, dez. 2003).
"Os novos secretários acham que a comunidade tem que administrar a Trilha, que estava dando prejuízo para a Belemtur. Porque ela mais fazia cortesias paras as secretarias e o próprio pacote não pagava o custo..., mas a trilha tem condições de dar lucro. Eu faço a minha trilha e tenho lucro. ... Eu acredito que a trilha [Olhos D'Água] em mais um ano não vai haver. ... A Belemtur se preocupa com a capacitação para receber os turistas, mas não para o desmatamento." (Morador da comunidade Espírito Santo, 35 anos, dez. 2003).
Os principais dados da distribuição destas comunidades nessa região do setor sudoeste da ilha de Mosqueiro encontram-se nos relatórios do Programa Família Saudável da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Belém, que os aloca em três micro-áreas distintas, as micro-áreas 12, 13 e 14, que, dentre outras comunidades, abarcam a do Espírito Santo, a do Caruaru e a de Castanhal do Mari-Mari, respectivamente (tabela I). Apesar da PMB (Prefeitura Municipal de Belém), por meio da administração distrital e da Belemtur garantirem que a transição seria realizada com treinamento técnico e o devido preparo dos moradores, ações implementadas, ao que parece, foram pontuais e ineficientes, pois em agosto de 2003 após a festividade de Santa Rosa na comunidade do Castanhal do Mari-Mari, toda a área da sede da festa, suas adjacências e o campo de futebol dessa comunidade encontravam-se cobertos de resíduos sólidos decorrentes da festa.
Tabela I
População das comunidades do entorno do parque ambiental de Mosqueiro por micro-área
Fonte: Universidade Federal do Pará, (2002).
Indício também da ineficiência desses treinamentos técnicos é a constante deterioração da sinalização da trilha pelos moradores do Caruaru e Castanhal do Mari-Mari, bem como das espécies florísticas e faunísticas, que, em dezembro de 2003, após três meses de inoperância das atividades da Trilha, quando da mudança do diretor da Belemtur, sofreu um de seus maiores impactos - a queima de uma área de aproximadamente 40 m2 na comunidade do Caruaru. Essas evidências, induzem ao questionamento da perpetuação ao longo do tempo dos trabalhos técnicos e das políticas de educação ambiental que o poder público municipal diz ter realizado com as comunidades durante a implementação da Trilha e, por conseguinte, aos que serão realizados pelas instituições envolvidas durante a transição e efetiva transferência da gestão da mesma às comunidades.
O trabalho de "revitalização" da Trilha Olhos D'água realizado em 2002 pela Secretaria de Meio Ambiente do Município de Belém, do qual subentende-se a categorização da mesma como uma trilha de percurso programado, cujas interpretações e explicações sobre fauna e flora passam a ser realizadas por um guia, considerado a "alma de uma boa trilha" pela Fumbel e pela Fundação Parques e Áreas Verdes de Belém (FUNVERDE, 2002), pouco contribuiu, como objetivava, para o envolvimento mais participativo das comunidades ou para a sensibilização das mesmas ao ecoturismo. Nem mesmo a noção básica sobre esse ramo do turismo ou sobre o próprio turismo foi trabalhado junto à população local pelo projeto de 2002. Em pesquisa realizada recentemente sobre o entendimento dos moradores das três comunidades envolvidas, apenas cinco pessoas responderam saber o que é o ecoturismo em um universo de vinte e seis famílias entrevistadas. Esse número diminui para três pessoas se consideramos que as respostas de dois dos entrevistados em nada se relacionavam com essa atividade turística.
A gestão do turismo na Trilha Ecológica Olhos D'Água não tem promovido o incremento necessário dentro desse setor como pretendem os defensores do ecoturismo. Em vez disso, é perceptível a incorporação de novas tendências ideológicas destinadas a consumidores sofisticados. O locus de produção do turismo ecológico desse espaço pouco exprime singularidade e diversidade sócio-ambiental, geração de emprego e renda, práticas significativas de preservação ambiental e de participação da população tradicional local. O potencial educativo valorizador e difusor da diversidade cultural e biológica dessa atividade têm sido pouco considerado nas práticas desse empreendimento, o que, conseqüentemente, inibe a promoção de medidas mitigadoras dos impactos da construção de um produto ordenado por redes de turismo globais, articulada por hotéis, agência de turismo e infra-estrutura.
O quadro-referência do espaço social da Trilha Olhos D'Água reflete claramente o agravamento das relações intra e inter-comunidades de seu entorno, fator que tem gerado graves rebatimentos no espaço físico da área, cujos impactos confrontam os conceitos e parâmetros do projeto da Companhia de Turismo do Município de Belém e do órgão gestor do turismo no território nacional, o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur), segundo o qual o ecoturismo é o
"... segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente, promovendo o bem-estar das populações envolvidas." (EMBRATUR, 1996).
Os principais conflitos evidenciados nas comunidades do Castanhal do Mari-Mari, Caruaru e Espírito Santo pela intervenção da Trilha nessas localidades são produto da ínfima participação da população local em todos os estágios de sua implementação e manutenção; fato que persiste desde o planejamento do projeto da Trilha, como foi constatado a partir dos depoimentos dos moradores que desconhecem o projeto oficial da Prefeitura de Belém para a trilha mesmo aqueles que se encontram vinculados diretamente a trilha, como guias e contadores de estória. Nessa perspectiva, esse projeto ecoturístico já nasceu comprometido quanto à expectativa de sustentabilidade sócio-ambiental, pois tais expectativas prescindem de um reordenamento espacial, onde as diretrizes para a implementação do turismo ecológico sejam gestadas pelos cidadãos do local em que irão se realizar. Só assim, segundo Souza (2002), o espaço dos grupos sociais envolvidos refletirá o desenvolvimento apregoado pelas bases do ecoturismo.
É nesse contexto que a cultura particular de uma população, como a da população tradicional que reside no entorno da trilha ecológica mosqueirense aqui mencionada, vivenciada num espaço que simboliza o próprio homem, onde as relações são limitadas "por uma interação profunda entre o homem e seu meio" (Santos, 1999: 268), ou seja, uma relação estreita entre homem e natureza, que acaba sofrendo interferências profundas em seus espaços vividos. Por conseguinte, passam a ser organizadas em "nichos de culturas" nos guetos do circuito produtivo do turismo ecológico. Esse circuito, que é gestado pelos fluxos e demandas das discussões emergentes do desenvolvimento sustentável, possibilita a arquitetura de uma rede mundial de turismo ecológico cujos rebatimentos no espaço local, como o da ilha de Mosqueiro, apesar de pontuais, frágeis e de baixa intensidade, se comparado a outras áreas da região amazônica, não deixam de ser significativos.
O vivido, como nos lembra Figueiredo (1999), não é um museu vivo onde se deva transformar qualquer curiosidade humana das comunidades visitadas em atração "circense" e atribuir-lhe um valor monetário, ou ainda, onde, em nome do preservacionismo, deva ser mantido estático e a-histórico. A cultura, como nos diz Santos (1999), é uma herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre homem e o seu meio. Na prática, no entanto, é impossível negar a mercantilização da natureza e da cultura, consideradas as principais matérias para o turismo ecológico na Trilha Ecológica Olhos D'água.
Contudo, se partirmos da análise de Aulicino (1997: 41), para quem "o turismo deve constituir-se numa atividade centrada no homem, no ser humano no enriquecimento cultural do visitante, através do fortalecimento cultural de quem o recebe", podemos compreender a força do espaço vivido, não só, mais fundamentalmente, para o turismo ecológico. Sem entender o vivido interfere-se na vida cotidiana dos moradores locais, promovendo a queda dos circuitos de produção dessa economia tradicional, destruindo suas atividades pela mudança de valores diversos e transformando-os em trabalhadores para o turismo, como nos aponta Figueiredo (1999).
Considerações finais
Para estabelecer-se as conexões e algumas considerações sobre as idéias expostas é importante frisar que a Ilha de Mosqueiro tem sua valorização turística iniciada a partir do início do século XX, como espaço de lazer das famílias de comerciantes aglutinadas pela economia internacional da borracha (caucho) e um segundo momento marcante, a partir da década de 70 do século XX, foi a implantação de uma ponte que possibilitou a conexão com o continente e provocou o adensamento populacional, assim como, a expansão da atividade turística e de segunda residência para a ilha.
Esse processo de valorização do espaço turístico, faz iniciar vários processos em seu espaço, como o movimento pela emancipação da ilha, a valorização imobiliária em praias distantes do centro da vila principal de Mosqueiro, assim como, a implantação de projetos alternativos de ecoturismo para áreas mais isoladas da ilha.
O processo de emancipação, presente a partir da década de 90, emerge a partir de interesses dos grupos econômicos que se fortalecem com a expansão da atividade turística, sem uma maior articulação com a população local e que portanto, podem não representar uma real possibilidade de desenvolvimento sócio-espacial para a ilha.
No que se refere à Especulação imobiliária, presente com maior intensidade na ilha a partir da década de 70, analisou-se aqui o caso da Praia do Paraíso, que fica em torno de 15 Km do bairro mais antigo da ilha, a "Vila" . Este processo, caracteriza-se em toda a orla da ilha desde o seu início como um elemento de expulsão da população tradicional, pescadores e extrativistas vegetais de produtos da floresta, da orla para o interior da ilha, sendo fator também de impacto ambiental, no que se refere a qualidade da água das praias e a retirada de cobertura vegetal, assim como, da extração de areia para construção civil local.
Por fim, no que se refere a proposta de ecoturismo implantado na ilha com o objetivo de incluir social e economicamente a população local, como também, possibilitar a maior preservação dos recursos naturais da ilha. Observou-se que a proposta da "Trilha ecológica Olhos D'água", implantada pela Prefeitura municipal de Belém no ano de 1998 e revitalizada no ano de 2002, também não conseguiu atingir seus objetivos. Uma das possibilidades apontadas, é que o projeto não atende com a devida pertinência a diversidade cultural e biológica presente nas comunidades que o projeto da trilha abrange.
Portanto as três sub-temáticas de estudo sobre a Ilha da Mosqueiro, convergem para a temática central deste artigo que é discutir a possibilidade da atividade turística desenvolver social e espacialmente.
Com base no exposto acima, é importante discutir o conceito de desenvolvimento. Por algum tempo o conceito de desenvolvimento teve uma leitura estreita, que o reduzia ao simples crescimento econômico e à organização tecnológica, medida quantitativamente pela taxa do Produto Interno Bruto (PIB), renda per capta e outros indicadores econômicos.
Se o desenvolvimento econômico não trouxer modificações no campo social e político, ou se o desenvolvimento social e político não resultar em transformações econômicas, não se pode considerar que o desenvolvimento ocorreu. Portanto, desenvolvimento deve ser entendido como um processo de transformação qualitativa profunda, sendo a elevação do padrão de vida do conjunto da sociedade local o seu resultado mais importante. Assim, as noções de crescimento econômico e de modernização que não sejam acompanhadas de distribuição da riqueza e de atendimento de necessidades materiais e não materiais elementares da sociedade local, não podem ser considerados como indicadores de desenvolvimento (Souza, 2002).
O conceito de desenvolvimento deve basear-se na idéia de que cada grupo social possui a autonomia necessária para definir o seu conteúdo, a partir de suas próprias necessidades. Ou seja, deve-se privilegiar o princípio de autonomia (Castoriades apud Souza, 2002), que visa a garantir o direito de cada coletividade de procurar orientar o seu destino e estabelecer suas metas e prioridades.
O conceito de desenvolvimento sócio-espacial, segundo Souza (2002), significa melhoria na qualidade de vida e um aumento de justiça social. Nesse sentido, o planejamento urbano e a gestão urbana devem ser considerados como meios para alcançar o desenvolvimento urbano e sócio-espacial da cidade.
Para o caso específico de Mosqueiro, uma ilha fluvial integrante da Região Metropolitana de Belém, pode-se destacar algumas considerações em relação à proposta de desenvolvimento atrelada ao incremento do turismo:
a) as ações para a ilha não têm se dado de forma integrada entre poder público e sociedade local, além das principais ações estarem localizadas na orla e na área central do espaço urbano da ilha, onde residem principalmente os proprietários de segunda residência;
b) nas políticas que colocam o turismo como elemento de desenvolvimento sócio-espacial, não é suficiente identificar as potencialidades turísticas, é necessário torná-las dinâmicas e concretas ao nível local;
c) a simples identificação do "capital natural" existente também não se mostra suficiente para as ações existentes, sem que estejam direcionadas para a integração com o capital "sócio-cultural", e para o respeito à diversidade social, econômica e cultural;
d) O reconhecimento e a inserção das lideranças locais devem estar inseridos na elaboração de ações pelo poder público, de maneira a democratizar a tomada de decisão e a implementação de ações tornando menos distantes as práticas relacionadas às políticas de turismo e os interesses das comunidades locais diretamente inseridas no processo.
Só dessa maneira é possível pensar o desenvolvimento sócio-espacial como um processo de transformação amplo, responsável por elevar a qualidade de vida da população envolvida, de maneira a perseguir a eqüidade, a autonomia, a justiça social e a identidade territorial, conforme propõe Souza (1997).
Notas
1 Segundo informações obtidas em órgãos municipais, grande parte dos loteamentos vendida pela imobiliária não se encontra legalizada pela CODEM (Companhia de Desenvolvimento Metropolitano de Belém), sendo difícil a precisão sobre a quantidade de moradores e de loteamentos, o que impossibilita um controle mais rígido do órgão em relação à produção desse espaço.
2 O local do loteamento é próximo de onde se situava a Fazenda Garibaldi e, a partir do mesmo, foi aberta uma rua que recebeu o nome de um dos corretores imobiliários, que tem expandido sua ação na área.
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Fecha de recepción: 3 de julio de 2007.
Fecha de aprobación: 6 de octubre de 2007.