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Estudios Económicos

versão On-line ISSN 2525-1295

Estud. Econ. vol.35 no.70 Bahía Blanca jan. 2018

 

O Brasil e a integraçao com as Americas: comercio Sul-Sul e Sul-Norte°

Brazilian integration with the Americas: South-South and South-North trade

Maurício Delago Morais* - Angélica Massuquetti* - André Filipe Zago de Azevedo*

* Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Correos electrónicos: mauricio.moraes@coats.com; angelicam@unisinos.br; aazevedo@unisinos.br

enviado: 28 mayo 2017
aceptado: 11 octubre 2017

Resumen
Este artículo analiza los efectos sobre el comercio y el bienestar de la creación de un área de libre comercio entre los países de la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR) y entre Brasil y el Tratado de Libre Comercio de América del Norte (TLCAN), caracterizando el comercio Sur-Sur y Sur-Norte, respectivamente. En el presente estudio son realizadas dos simulaciones por medio de un modelo de Equilibrio General Computable. Los resultados han demostrado que la UNASUR, a pesar de generar beneficios, expresados, principalmente, en la forma de robustecimiento del bienestar y de las exportaciones de bienes de mayor intensidad tecnológica para los países partícipes, ellos son limitados. Las mayores ventajas ocurren con la liberalización comercial Sur-Norte.

Código JEL: F14, R13, C68.

Palabras clave: Integración Económica; UNASUR; Modelo de Equilibrio General Computable.

Abstract
The study analyses the effects on trade and welfare of the formation of a free trade area in South America (UNASUL) and between Brazil and North American Free Trade Agreement (NAFTA) using a computable general equilibrium model. The results show that despite UNASUL would generate gains for the countries that participate in this agreement, in terms of increased trade on high technology sectors and welfare, they are limited. The more significant gains for Brazil occur with the South-North trade liberalization.

JEL Code: F14, R13, C68.

Keywords: Economic Integration; UNASUL; Computable General Equilibrium Model.

INTRODUÇÃO

Os processos de integração comercial na América do Sul vêm encontrando, há algum tempo, inúmeras dificuldades para atingir seus ambiciosos objetivos.1 Os dois blocos mais antigos da região, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) e a Comunidade Andina (CAN), tendo como inspiração a União Europeia (UE), buscaram ir além da formação de uma zona de livre comércio2. Enquanto a CAN pretende atingir o estágio de uma união aduaneira, o MERCOSUL busca ir ainda mais além, com a implementação de um mercado comum, que além de unificar a política comercial em relação a países de fora do bloco, como já ocorre na união aduaneira, permitiria a livre circulação de fatores de produção entre seus membros3. Além disso, buscam avançar em temas como políticas de competição e compras governamentais, o que se convencionou chamar de integração profunda4.

No entanto, um dos problemas associados a estágios mais profundos de integração é a necessidade de o bloco, e não os países individualmente, negociar acordos com outros Acordos Preferenciais de Comércio (APCs). Isso tem levado os países da região, especialmente do MERCOSUL, a ter uma participação bastante restrita em processos de integração fora do âmbito do bloco, restringindo o acesso a mercados internacionais importantes, como destacam Thorstensen e Ferraz (2014). Isso é especialmente preocupante na medida em que está havendo uma multiplicação de APCs no mundo, inclusive com certo protagonismo de países da América do Sul, especialmente do Chile. A transformação do MERCOSUL em uma integração comercial mais superficial, mas abrangendo a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), criada em 2008, tomando a forma de uma zona de livre comércio, poderia trazer benefícios para toda a região. Além da provável ampliação do comércio regional, também daria de volta ao Brasil a autonomia para fazer acordos comerciais com aqueles parceiros que desejasse, permitindo que o país, finalmente, se juntasse à atual onda de regionalismo5.

Um dos aspectos importantes desta nova onda de regionalismo é o aumento do comércio Sul-Sul e a alteração de seu perfil, com a presença de manufaturas mais sofisticadas6. Nesse sentido, autores como Amsden (1987) e Lall (1987) atribuem a esse processo uma oportunidade para ganhos dinâmicos associados, especialmente, à transferência de tecnologia entre os países em desenvolvimento. Dahi e Demir (2008) apontam ainda que apenas o crescimento do comércio entre países em desenvolvimento seria capaz de estimular as exportações de manufaturas, enquanto acordos com países desenvolvidos não trariam esse ganho. No entanto, ainda há uma grande controvérsia a esse respeito, com autores como Greenaway e Milner (1990) e Venables (2003) apontando que os ganhos para os países do Sul seriam maiores por meio de uma maior liberalização multilateral e que APCs entre países em desenvolvimento geralmente favorecem os países mais desenvolvidos entre eles7.

O objetivo do artigo é analisar os efeitos sobre comércio e bem-estar da formação de uma área de livre comércio entre todos os países da América do Sul e de um APC entre o Brasil e o North American Free Trade Agreement (NAFTA), buscando identificar os setores mais beneficiados pelo eventual acordo, classificados de acordo com seu grau de intensidade tecnológica. A integração brasileira com o NAFTA, do tipo Norte-Sul, serve de contraponto à liberalização Sul-Sul com os vizinhos sul-americanos. Nesta pesquisa, dois cenários são criados: (i) uma área de livre comércio (ALC) na América do Sul; e (ii) uma ALC entre Brasil e NAFTA. Na simulação que envolve o Brasil e o NAFTA, parte-se da premissa da pré-existência de uma ALC na América do Sul.

Para formular as simulações se utiliza o modelo de equilíbrio geral computável (EGC) - Global Trade Analysis Project (GTAP), que adota uma estrutura de mercado de competição perfeita e retornos constantes de escala. Esses modelos podem produzir uma grande variedade de cenários, incluindo aqueles em que as barreiras multilaterais, regionais e/ou unilaterais são modificadas, de acordo com o interesse do pesquisador. Há estudos empíricos, baseados em modelos de equilíbrio geral computáveis, que avaliam os efeitos da integração de países do continente americano, especialmente da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), como nas pesquisas de Gurgel, Bitencourt e Teixeira (2002) e Monte e Teixeira (2007), e do MERCOSUL, como, por exemplo, os estudos de Azevedo (2008), de Bueno (2013) e de Oliveira (2014).

O estudo é organizado da seguinte forma: a segunda seção apresenta brevemente as principais contribuições teóricas acerca do comércio Sul-Sul e a recente evolução do intercâmbio comercial entre os países da UNASUL, por grau de intensidade tecnológica. A terceira seção expõe o modelo de EGC utilizado, bem como a agregação regional e setorial, e os cenários para a realização da simulação. Na quarta seção são analisados os resultados obtidos por meio das simulações, com ênfase nos efeitos sobre o comércio internacional e o bem-estar do Brasil e demais regiões examinadas. Por fim, na seção final são apresentadas as conclusões.

I. COMÉRCIO SUL-SUL

I.1. Breve revisão teórica

A literatura acerca do comércio Sul-Sul pode ser dividida em três ondas, de acordo com Dahi e Demir (2008). A primeira se baseia, principalmente, nos trabalhos de economistas estruturalistas latino-americanos, de Myrdal (1956) e de Lewis (1980), sendo claramente favorável à integração comercial entre os países em desenvolvimento. Ela destaca a importância do comércio Sul-Sul como uma forma dos países menos desenvolvidos superarem suas dificuldades no caminho para a industrialização, especialmente o menor tamanho de seus mercados e a escassez de recursos produtivos.

Os economistas estruturalistas, com destaque para Prebisch (1950), apontam as assimetrias na distribuição dos ganhos no comércio Norte-Sul. Eles sustentam que os maiores beneficiados seriam os países desenvolvidos do Norte, devido, principalmente, à tendência histórica de deterioração dos termos de troca dos produtos primários exportados pelo Sul, em relação às manufaturas exportadas pelo Norte. Uma solução para esse problema seria a criação de APCs entre países do Sul, conforme apontado por Myrdal (1956). Isso possibilitaria a ampliação da escala de produção para as indústrias instaladas nesses países, em decorrência da ampliação do tamanho do mercado. Lewis (1980), por sua vez, salienta que a natural desaceleração do crescimento econômico de países desenvolvidos iria retardar a expansão dos países em desenvolvimento, o que serviria de estímulo para políticas que estimulassem o comércio Sul-Sul8.

Linder (1961) também defendia a criação de APCs entre os países em desenvolvimento e apontava que, mesmo se houvesse desvio de comércio, ele seria benéfico caso desviasse as exportações de países desenvolvidos em benefício do aumento do comércio intrabloco. Isso permitiria uma reestruturação das importações dos países do Sul para insumos e bens de capital provenientes do Norte necessários para a industrialização e o estímulo do comércio de bens finais industrializados entre os países em desenvolvimento. Além disso, por meio da famosa hipótese de Linder, o autor argumentava que a oferta interna é estimulada pela demanda doméstica e, assim, quanto mais similar fosse a estrutura da demanda entre dois países, maior tenderia a ser o comércio bilateral. A renda per capita seria o determinante fundamental da estrutura da demanda. Portanto, países com níveis de renda per capita mais próximos teriam um comércio maior, o que estimularia o comércio do tipo Norte-Norte e Sul-Sul.

A segunda onda é uma resposta à crescente sofisticação do comércio Sul-Sul, cada vez mais intensiva em capital e trabalho qualificado em comparação ao comércio Sul-Norte, e tem visões antagônicas em relação aos seus benefícios. De um lado, na medida em que o comércio Sul-Sul tende a ser mais intensivo em capital, trabalho qualificado e de maior conteúdo tecnológico, em relação ao comércio Sul-Norte, os otimistas, com destaque para Amsden (1987) e Lall (1987), veem nesse processo uma oportunidade para ganhos dinâmicos associados, especialmente, à transferência de tecnologia entre os países em desenvolvimento, dada a similaridade do padrão de produção9.

Já os pessimistas, com destaque para Havrylyshyn (1985), atribuem esse comércio ao legado do processo de substituição de importações que teria gerado um excesso de produção, geralmente ineficiente, onde países do Sul de renda média despejariam produtos industriais intensivos em capital, mas de baixa qualidade, em países de renda mais baixa. Assim, a possibilidade de expansão desse comércio seria duvidosa. Greenaway e Milner (1990) destacam que a adoção de políticas para promover o comércio Sul-Sul não é convincente e que experiências prévias com a formação de APCs não seriam encorajadoras. Os ganhos para os países do Sul seriam maiores, segundo os autores, com o maior engajamento desses países na liberalização multilateral.

A partir dos anos 1990, o crescimento de APCs entre países do hemisfério Sul causou uma proliferação de artigos buscando mensurar os eventuais ganhos de bem-estar associados a esses blocos. Venables (2003), por exemplo, baseado na análise vineriana de criação e desvio de comércio, conclui que a distribuição dos ganhos de APCs entre países em desenvolvimento geralmente favorece os países mais desenvolvidos e que pertencem aos acordos. Esses países iriam exportar produtos industriais para os menos desenvolvidos, em detrimento de países do Norte, mais eficientes e que não pertencem ao bloco, gerando uma situação de desvio de comércio. Já APCs do tipo Sul-Norte seriam mais benéficos para a maioria dos países em desenvolvimento, que poderiam importar produtos manufaturados a preços mais baixos de países do Norte.

Dahi e Demir (2008) concordam com Venables (2003) em que a integração entre países do Sul com níveis de desenvolvimento muito diferentes, como a China e os países africanos e sul-americanos, pode levar a um padrão de comércio típico Norte-Sul, com os menos desenvolvidos exportando produtos primários e importando manufaturas. Inclusive mencionam as evidências de um processo de reprimarização das exportações de países da América do Sul como resultado da expansão do comércio com a China10. No entanto, os autores, por meio de um modelo gravitacional, apontam que somente o aumento do comércio Sul-Sul estimularia as exportações de manufaturas11. Os autores destacam, ainda, que o crescente número da APCs entre países em desenvolvimento reflete um entendimento implícito desse fenômeno por parte dos formuladores de políticas econômicas desses países.

I.2. Comércio na UNASUL

O comércio entre os países do hemisfério Sul (chamado de comércio Sul-Sul) tem crescido de forma significativa nas últimas décadas. De acordo com a UNCTAD (2013), esse comércio chegava a 38% do total dos países do Sul, em 1990. Mas, em 2011, ele já representava a maior parte do comércio, chegando a 56% do total, com grande parte desse movimento se concentrando no período 2000-2011. No entanto, os países das Américas eram responsáveis por apenas 10% do comércio total dos países em desenvolvimento do hemisfério Sul.

Além da baixa participação no comércio dos países em desenvolvimento, a América do Sul apresenta uma tendência inversa à observada nas demais regiões do hemisfério Sul. Entre 2000 e 2013, as exportações dos países que agora fazem parte da UNASUL declinaram de 22,5% para 18,9%. A queda foi ainda mais acentuada nas importações, que passaram de 26%, em 2000, para 20,3% do total, em 2013. O mesmo fenômeno ocorre com o MERCOSUL, cujo montante das exportações para os países da América do Sul caiu de 24,2% para 18,6% do total, no mesmo período, enquanto as importações caíram de 24,4% para 20,3%. Assim, houve uma redução do viés regional de comércio, se intensificando as relações comerciais para fora da América do Sul, durante o período examinado (UNCTAD, 2016).

No caso do Brasil, as exportações para os países da UNASUL representavam apenas 17,1% do total do país, em 2013, sendo 12,2% apenas para o MERCOSUL, ficando abaixo dos 20,2% observados em 2000 (15,4% para o MERCOSUL). As importações brasileiras da região também se reduziram ainda mais, passando de 19,7% para 13,4% ao longo do período. Por sinal, os únicos países em que a região passou a ter um peso maior em suas importações foram Argentina e Suriname e, mesmo assim, com um aumento inferior a um ponto percentual (UNCTAD, 2016).

Bolívia, Paraguai e Argentina, nessa ordem, são os países com a maior concentração de suas exportações para a UNASUL, em 2013. A importância que a UNASUL tem no comércio internacional destes países pode ser parcialmente explicada pelo fato de eles fazerem parte ou do MERCOSUL ou da CAN, com os produtos circulando livremente entre os demais membros de seus respectivos blocos. Por outro lado, os países com mais baixa dependência de suas exportações para os vizinhos regionais são aqueles que não fazem parte de acordos de comércio preferencial na América do Sul: Chile, Guiana, Suriname e Venezuela (UNCTAD, 2016).

Percebe-se que o comércio entre os países da UNASUL é pouco representativo perante o total comercializado com o mundo. Além disso, essa representatividade diminuiu entre os anos 2000 e 201312. Nesse sentido, a criação de uma zona de livre comércio entre todos os países da América do Sul poderia estimular o comércio na região, seguindo a tendência observada em outros países em desenvolvimento.

Um aspecto importante do comércio Sul-Sul é a maior concentração de produtos manufaturados em relação às exportações Sul-Norte. Esse mesmo fenômeno também se percebe no comércio entre os países da América do Sul, com o perfil de comércio entre os países da região diferente em relação àquele com o resto do mundo. Tanto em 2000 como em 2013, é possível observar, na tabela 1, uma concentração das exportações de produtos primários para outras regiões. Em 2013, elas representavam 83,3% do total, acima dos 73,1% verificados em 2000.

Tabela 1. Composição das exportações e importações da UNASUL, por intensidade tecnológica, conforme o destino, em % - 2000/2013*

Fonte: elaborado pelos autores a partir de UNCTAD (2016). Nota: (*) Ver classificação de acordo com a intensidade tecnológica no quadro 2.

Já as exportações de produtos de média-alta e alta intensidade tecnológica são muito superiores no comércio regional em comparação com o resto do mundo. Em 2013, as exportações de produtos de maior conteúdo tecnológico (média-alta e alta intensidade) intra-UNASUL chegaram a 42,6% do total exportado, enquanto para fora da região atingiram apenas 8,7%. A participação desse segmento quase se igualou à dos produtos primários nas exportações intra-UNASUL. Essa situação se acentuou ao longo do período, visto que as exportações desse segmento entre os países da UNASUL, em 2000, representavam 37,7% do total, enquanto chegavam a 15,3% para outros destinos. A mesma tendência também ocorreu com os setores de baixa e média-baixa tecnologia, embora de forma menos acentuada.

Em relação às importações da UNASUL, o quadro é bem diferente, com uma maior dependência de produtos industriais de média-alta e alta intensidade tecnológica de países de outras regiões. Em 2013, elas chegaram a quase dois terços do total, embora tenham mostrado uma pequena retração no período de análise. Já as importações de produtos primários predominam no comércio regional, atingindo o dobro da participação das importações de fora da América do Sul, em 2013. Mas chama a atenção a queda de participação de todos os setores industriais de países de fora da região nas importações totais da UNASUL, ao longo do período, ao lado de um aumento expressivo da participação de setores de maior conteúdo tecnológico no comércio entre os países da região, alcançando 43,2%, em 2013.

Como é possível observar, a composição do comércio intra-região para os países da UNASUL difere consideravelmente do comércio com outros países. Há uma forte concentração de exportações de produtos primários para fora da região, enquanto se sobressaem as exportações de produtos de maior conteúdo tecnológico para os países sul-americanos. Já as importações da região apresentam uma concentração em produtos industriais de países de fora da UNASUL.

No período de estudo, o intercâmbio comercial entre o Brasil e os países da UNASUL mais que triplicou, passando de US$ 22,1 bilhões, em 2000, para US$ 73,4 bilhões, em 2013, como se observa na tabela 2. Observa-se que a maior parte do valor das exportações brasileiras para os países da UNASUL está concentrada em produtos de média-alta/alta intensidade tecnológica, alcançando um aumento de 208,8% no período de estudo e representando US$ 25,12 bilhões, em 2013. No entanto, o crescimento mais expressivo foi observado em produtos primários, que chegou a 472,5%, ao longo do período examinado.

Tabela 2. Exportações e importações do Brasil com os países membros da UNASUL, por intensidade tecnológica, em US$ bilhões - 2000-2013*

Fonte: elaborado pelos autores a partir de UNCTAD (2016).
Nota: (*) Ver classificação de acordo com a intensidade tecnológica no quadro 2.

No que se refere às importações brasileiras, contudo, os produtos primários destacam-se durante todo o período, representando o maior valor em todos os anos, com crescimento de 150,8% entre 2000 e 2013. Os produtos de média-alta/alta intensidade tecnológica, por sua vez, tem têm aumentado sua participação na pauta importadora do país, passando de US$ 3,46 bilhões, em 2000, para US$ 13,54 bilhões, em 2013.

Uma característica importante do comércio brasileiro com os parceiros da UNASUL é o fato de que seu padrão de transações comerciais difere sensivelmente das transações do Brasil com os países do mundo. No ano de 2013, segundo a UNCTAD (2016), a pauta exportadora do Brasil foi constituída por 64,4% de produtos primários e 35,6% de bens com algum grau de intensidade tecnológica. Por outro lado, a pauta de importações foi constituída por 27,7% de produtos primários e 72,3% de bens com algum grau de intensidade tecnológica13.

II. MODELO, AGREGAÇÃO E TARIFAS PRÉ-SIMULAÇÕES

Os modelos de EGC têm sido utilizados para examinar APCs, pois servem como um exercício ex-ante de previsão de seus efeitos. Este artigo utiliza o EGC-GTAP, que adota as hipóteses de concorrência perfeita e retornos constantes de escala nas atividades de produção. Estudos baseados em modelos de EGC, geralmente, apontam ganhos de bem-estar maiores quando supõe a hipótese de competição imperfeita quando comparados aos modelos que só permitem competição perfeita, na medida em que os primeiros criam mecanismos adicionais através dos quais um APC pode afetar o bem-estar (por exemplo, Harrison; Rutherford; Tarr, 1997; Diao; Díaz-Bonilla; Sherman, 2002). Portanto, essa limitação deve ser levada em conta quando se faz a análise dos resultados.

Neste estudo, as 129 regiões e os 57 setores da versão 8 da base de dados deste software, correspondendo à economia mundial em 2007, foram agrupados em oito regiões e quatro setores, de forma a permitir a mensuração dos impactos dos processos de integração do Brasil sobre o comércio e o bem-estar dos países participantes e não membros dos acordos14. Para determinar a agregação regional, foram contemplados o Brasil, os demais países da América do Sul e os principais parceiros comerciais do país. Assim, as 129 regiões do GTAP foram reunidas em oito regiões agregadas: Brasil, os demais países do MERCOSUL (RestoMERC), os membros da Comunidade Andina (CAN), os demais países da América do Sul (RestoAS), NAFTA15, UE28, países do BRICS menos o Brasil (BRICS) e o Resto do Mundo (RestoMundo), conforme se observa, detalhadamente, na tabela 3.

Tabela 3. Agregação regional

Fonte: elaborado pelos autores a partir da base de dados do GTAP.
* Na versão 8 da base de dados do GTAP ainda não constava o Paraguai.

A agregação setorial foi criada para observar os efeitos de acordos sobre os setores segundo seu grau de intensidade tecnológica. Assim, é possível identificar o perfil de comércio de APCs do tipo Sul-Sul adotados na simulação UNASUL e do tipo Sul-Norte na integração do Brasil com os países do NAFTA. Desta forma, será possível examinar se um acordo entre países em desenvolvimento teria um efeito maior sobre as exportações de produtos manufaturados dos países membros do que acordos entre países com diferentes níveis de desenvolvimento. Sendo assim, os setores foram organizados conforme a classificação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), dividida em quatro categorias: alta intensidade tecnológica; média-alta intensidade tecnológica; média-baixa intensidade tecnológica; e baixa intensidade tecnológica. Por fim, foram incluídos o setor primário e o de serviços. A agregação setorial empregada pode ser observada na tabela 4.

Tabela 4. Agregação setorial

Fonte: elaborado pelos autores conforme classificação da OCDE.

Antes da análise das simulações, é preciso averiguar se as tarifas de importação bilaterais entre os membros do MERCOSUL e da CANrefletem, de fato, a real estrutura tarifária entre eles. De um lado, as tarifas bilaterais no comércio entre os países do MERCOSUL ainda apresentavam valores positivos, enquanto, de outro lado, já estavam zeradas no comércio entre os membros da CAN. Assim, enquanto o comércio reflete as preferências existentes no MERCOSUL, os dados relativos à proteção (tarifas) não o fazem. Dessa forma, é preciso torná-los consistentes. Com o intuito de ajustar os dados relativos à estrutura de proteção, eliminando-se todas as tarifas no comércio intrabloco, a simulação Altertax foi utilizada. Esse ajuste nas tarifas intra-MERCOSUL representa o equilíbrio inicial efetivamente empregado na primeira simulação feita neste artigo, refletindo o livre comércio nos dois blocos da região.

Para avaliar os efeitos da integração do Brasil com os demais países da América do Sul, foi realizada a simulação denominada UNASUL, eliminando-se a incidência de barreiras tarifárias no comércio entre os países da região, de acordo com a versão 8 da base de dados do GTAP, que se refere ao ano de 2007, sendo também cenário de referência para as demais simulações. Como o objetivo é avaliar os efeitos da liberalização comercial entre os países envolvidos, as simulações envolvem apenas as mudanças nas tarifas de importação praticadas pelos países membros, sem que haja mudança nas tarifas de importação dos países não membros.

As tarifas bilaterais ao nível de agregação apresentada pelo GTAP são obtidas pela reunião das tarifas não discriminatórias a seis ou oito dígitos do Sistema Harmonizado (SH), usando como ponderação o valor das importações bilaterais. Empregando como exemplo a agregação utilizada nesta pesquisa, cada uma das oito regiões apresenta sete tarifas de importação diferentes para cada um dos quatro setores.16

A tabela 5 mostra a estrutura das tarifas de importação vigente no equilíbrio inicial, em 2007. No Brasil, as tarifas mais elevadas incidiam sobre os produtos manufaturas dos demais parceiros da UNASUL (CAN e RestoAS). Já o grau de proteção sobre os produtos primários era mais baixo. Chama a atenção que as tarifas que incidiam sobre as importações de setores de alta e média-alta tecnologia provenientes dos países da região eram mais altas do que as do NAFTA e da UE, ocorrendo o oposto com os produtos primários. A redução de tarifas relativamente elevadas tende a estimular as importações daqueles setores mais protegidos.

Tabela 5. Estrutura tarifária no equilíbrio inicial, em 2007 (%)

Em relação à CAN e ao RestoAS, as tarifas de importação dos parceiros da UNSUL são baixas, em alguns casos próximas a zero. Ambas as regiões, assim como ocorre com o Brasil, têm tarifas mais altas para produtos de maior conteúdo tecnológico de países da região do que de países desenvolvidos, o que deverá incrementar o comércio desses setores quando o bloco se formar. O Brasil, por sinal, é a região cujas exportações sofrem o maior grau de proteção do RestoAS em setores de alta e média-alta tecnologia. O RestoMERC apresenta um grau de protecionismo maior em relação a produtos primários, com tarifas mais baixas para as importações de manufaturas, tanto dos parceiros da América do Sul como de fora da região.

Em simulações baseadas em modelos de EGC, os resultados são influenciados pelos valores assumidos tanto pelas tarifas iniciais, que são removidas pelos experimentos, como pelas elasticidades de substituição, como destacam Hertel e Martin (1999).17 Setores que sofrem as maiores reduções tarifárias e/ou apresentam elevadas elasticidades de substituição geralmente são os mais afetados pelas simulações. O setor de alto e médio-alto grau de intensidade tecnológica apresenta a mais alta elasticidade de substituição entre os fatores primários de produção, com exceção do setor de serviços (1,26) e o valor elevado da elasticidade de substituição entre as importações de diferentes fontes (7,40) indicam que ele será mais afetado pelas simulações (tabela 6).

Tabela 6. Elasticidades de substituição*

Fonte: base de dados do GTAP. Nota: eles se referem às elasticidades de substituição entre os fatores primários (ESUBVA), entre os bens domésticos e importados da estrutura de agregação de Armington (ESUBD) e entre importações de diferentes fontes (ESUBM).

III. RESULTADOS

A análise dos resultados de cada simulação se restringe às mudanças no comércio internacional, com foco nas exportações, e nos efeitos sobre o bem-estar, enfatizando as mudanças alocativas e dos termos de troca.

III.1. Cenário UNASUL

III.1.1. Impactos sobre o comércio internacional

A formação da UNASUL teria como principal resultado o aumento do comércio de manufaturas entre os países da região. Embora em alguns países tenha também ocorrido uma elevação das exportações de produtos primários para os demais países da região, as maiores variações se observam nos setores de alta e média-alta e de baixa e média-baixa intensidades tecnológicas, com o primeiro apresentando um desempenho bem superior ao segundo. Ou seja, a formação da UNASUL iria reforçar a tendência recente de aumento do comércio do tipo Sul-Sul, baseado em produtos manufaturados de maior intensidade tecnológica, e que também já é observada no comércio entre os países da região, como a subseção I.2 mostrou.

Um segundo aspecto importante, e esperado, é o viés regional das exportações. Com a liberalização comercial entre os países da região, houve um deslocamento das exportações para dentro do bloco, especialmente de produtos de maior conteúdo tecnológico, em detrimento das demais regiões examinadas. As exceções se referem ao comércio entre o Brasil e o RestoMERC e entre os membros da CAN entre si, onde houve uma queda das exportações. Isso pode ser explicado pela perda do monopólio das preferências tarifárias nesses dois casos, que foram estendidas para os outros países da região. Assim, a criação do bloco iria reverter a tendência de perda de participação do comércio regional na pauta exportadora dos países da UNASUL, observada entre 2000 e 2013.

No caso do Brasil, esses dois aspectos mencionados anteriormente se destacam. O setor mais beneficiado com a criação de uma zona de livre comércio na UNASUL, do ponto de vista das exportações, é o de alta e média-alta intensidades tecnológicas. Isso é a consequência da liberalização ocorrida nesse setor com os demais países da região e das elevadas elasticidades de substituição entre os bens domésticos e importados, e entre as importações de diferentes fontes, conforme destacado anteriormente. A maior demanda da UNASUL por produtos brasileiros devido à redução das tarifas de importação e às altas elasticidades de substituição estimula as exportações desse setor. As exportações brasileiras totais do setor cresceram 1,72%, com acentuado viés regional, elevando-se em 30,6% e 13,1% para os países da CAN e do RestoAS, respectivamente (tabela 7). No entanto, elas caíram para as outras regiões e para os demais países do MERCOSUL em todos os setores examinados.

Tabela 7. Variação das exportações dos países da UNASUL por região e setor (%)

O RestoAS é a região que teria o maior aumento de suas exportações do setor de elevado conteúdo tecnológico, chegando a 4,3%, com destaque para o Brasil, onde cresceriam 33,1%. A CAN apresentaria uma elevação das exportações de 1,45% desse segmento e o maior aumento também seria para o mercado brasileiro, atingindo 12,3%. Somente as exportações desse segmento do RestoMERC declinariam para o Brasil, devido justamente à perda das preferências tarifárias para os outros países da região. Confirmando o menor dinamismo dos produtos primários em uma eventual integração entre os países da América do Sul, haveria uma queda de suas exportações totais no Brasil e uma estagnação no RestoMERC e no RestoAS. As exportações totais desse setor somente cresceriam na CAN, devido ao avanço nos dois maiores mercados da região, Brasil e RestoMERC.

III.1.2. Efeito sobre o bem-estar

Os efeitos sobre o bem-estar, em modelos baseados em competição perfeita, se restringem a alterações alocativas, nos termos de troca e no preço relativo da poupança e investimento. Os ganhos alocativos refletem os ganhos associados à importação de produtos mais baratos, que elevam o consumo e alteram a alocação dos recursos produtivos domésticos. Já os ganhos relacionados aos termos de troca dos membros do bloco decorrem da redução dos preços de exportação dos países que ficam de fora do bloco, que buscam compensar a redução da demanda por seus productos, provocada pela redução preferencial das tarifas dos países-membros. Entre os países do bloco, beneficiam-semais aqueles cuja demanda por seus produtos aumenta de forma mais significativa. No que se refere ao impacto sobre o investimento-poupança (I-S), os benefícios dependem de se a região é uma fornecedora ou receptora líquida de poupança. Os países (regiões) fornecedores líquidos de poupança para o banco global se beneficiam com o aumento do preço da poupança em relação ao preço do investimento, enquanto os recebedores líquidos perdem.

A simulação UNASUL mostra que apenas três regiões se beneficiam, em termos de bem-estar, com a formação do bloco: Brasil, RestoMERC e RestoAS, nessa ordem. Todas as demais mostram perdas de bem-estar. O Brasil apresentaria os maiores ganhos, que chegariam a US$ 346 milhões (tabela 8). Embora seja o país que teria o maior aumento, tanto alocativo como nos termos de troca, eles se concentram nesse último. Os ganhos de bem-estar do RestoMERC e do RestoAS também se devem à melhoria dos termos de troca. Já a CAN, além de ser a única da região beneficiada pela liberalização comercial que apresentaria perda de bem-estar, ela seria a maior entre todas as regiões examinadas, atingindo US$ 278 milhões.

Tabela 8. Efeitos sobre o bem-estar (milhões de US$)

Fonte: simulação UNASUL.

A melhoria nos termos de troca do Brasil ocorre em todos os setores, mas é maior nos produtos manufaturados, tanto de baixa como de alta intensidade tecnológica (tabela 9). Essa melhoria dos termos de troca é resultado, quase que exclusivamente, do aumento dos preços de exportação do país, pois seus produtos tiveram uma elevação da demanda por parte dos demais países da região, como demonstra o aumento de suas exportações. No RestoMERC, a melhoria dos termos de troca se concentra nos produtos primários, chegando a US$ 106 milhões, a maior variação desse experimento. A deterioração dos termos de troca observada nas regiões que não estão envolvidas no acordo reflete, como já destacado, a redução preferencial das tarifas de importação dos países que formam o acordo preferencial de comércio, levando à queda de seus preços de exportação.

Tabela 9. Variação nos termos de troca (milhões de US$))

Fonte: simulação UNASUL.

Os resultados da simulação confirmam que a formação de um acordo comercial entre os países da América do Sul iria estimular o intercâmbio comercial na região, especialmente de produtos de alta e média-alta tecnologia. Eles estão em sintonia com a literatura que trata do tema, que aponta uma tendência de aumento do comércio Sul-Sul com ênfase nas exportações de produtos manufaturados (por exemplo, Dahi e Demir (2008)). Conforme destacado por Amsden (1987) e Lall (1987), esse processo pode criar oportunidades para ganhos dinâmicos associados à transferência de tecnologia entre os países em desenvolvimento, dada a similaridade do padrão de produção.

Em relação à evolução do bem-estar, o Brasil e o RestoMERC seriam os maiores beneficiados com a integração regional e somente a CAN sairia perdendo, devido à deterioração de seus termos de troca. Portanto, a partir da análise desses resultados, tanto em termos de comércio como de bem-estar, não é possível concluir, conforme sugerido por Venables (2003), que os ganhos da integração entre países em desenvolvimento sejam assimétricos, sendo cooptados majoritariamente pelo país mais desenvolvido pertencente ao acordo. No caso da formação da UNASUL, os ganhos foram apropriados por todos os países da região.

III.2. Cenário Brasil-NAFTA: impactos sobre o comércio internacional e o bem-estar

A eventual criação de um acordo de livre comércio entre o Brasil e o NAFTA resultaria em um aumento do comércio entre as duas regiões, beneficiando praticamente todos os setores. No entanto, o perfil setorial das exportações seria distinto daquele observado na integração da UNASUL. Enquanto o Brasil experimentaria um aumento maior de suas exportações de produtos primários para o NAFTA, aquele bloco iria elevar mais as suas exportações de produtos de alta e média-alta intensidades tecnológicas para o Brasil (tabela 10). Esse resultado está em sintonia com o obtido por Thorstensen e Ferraz (2014), pois esses autores também encontraram um aumento das exportações brasileiras concentrado no setor primário para os EUA quando simularam um acordo bilateral entre esses países. Apesar do aumento generalizado das exportações do NAFTA para o Brasil, aquele bloco teria uma redução de suas exportações totais em todos os segmentos, exceto dos produtos de maior conteúdo tecnológico (0,56%).

Tabela 10. Variação das exportações do Brasil e do NAFTA por região e setor (%)

O aumento do comércio bilateral entre Brasil e NAFTA teria como efeito a redução de suas exportações para as demais regiões em quase todos os setores. A única exceção são as exportações brasileiras de produtos de maior intensidade tecnológica, que crescem para todas as regiões, especialmente para o NAFTA. O mesmo não se percebe para o bloco norte-americano, que só elevaria suas exportações desse segmento para o Brasil. Esse é um aspecto importante dessa simulação. Embora as exportações brasileiras de produtos primários tenham se destacado, também haveria um incremento significativo das exportações de manufaturas, de forma viesada, para o mercado da América do Norte. O aumento do dinamismo das exportações industriais do Brasil para aquele mercado é resultado da elevação tanto de produtos de baixa (14,6%) como de alta intensidade tecnológica (9,3%).

Como resultado da expansão, principalmente para o NAFTA, as exportações totais brasileiras de setores de maior (2,9%) e menor intensidade tecnológica (3,5%) mostraram um crescimento maior do que a de produtos primários. Esse setor acabou desviando boa parte de suas exportações para outros mercados para servir ao NAFTA, gerando um acréscimo total de apenas 1,1%. Esse quadro permite que se vislumbre um aumento do comércio entre as duas regiões concentrado em setores de maior intensidade tecnológica, a partir da criação de um acordo de livre comércio. De qualquer forma, o aumento desse tipo de comércio não seria equilibrado, com os países do NAFTA mostrando elevações significativamente maiores para o Brasil do que ao contrário18.

Mesmo assim, o volume de acréscimo das exportações brasileiras de manufaturas seria muito superior com um acordo com o NAFTA em relação à formação da UNASUL. As exportações de setores de maior intensidade tecnológica aumentariam em R$ 1,4 bilhão para o NAFTA e US$ 851 milhões para a UNASUL. A diferença é ainda maior nos segmentos de baixo e médio-baixo conteúdo tecnológico. As exportações brasileiras cresceriam US$ 1,8 bilhão para a América do Norte e apenas US$ 59 milhões para os vizinhos sul-americanos. Nesse sentido, os resultados das simulações sinalizam para ganhos comerciais mais expressivos com a integração com países desenvolvidos da América do Norte do que com aqueles em desenvolvimento da América do Sul.

Considerando-se os efeitos sobre o bem-estar do Brasil, ambos os acordos de comércio proporcionariam resultados similares, embora novamente aqui a integração com o NAFTA garantiria ganhos ligeiramente maiores para o Brasil. Em ambos os cenários, o país teria ganhos proporcionados tanto pela melhor alocação de recursos como pela melhoria dos termos de troca. No cenário NAFTA, o Brasil teria um aumento de bem-estar de US$ 443 milhões, influenciado principalmente pela melhoria dos termos de troca (US$ 270 milhões - termos de troca; e US$ 144 milhões - efeitos alocativos). Já no acordo com os países da América do Sul, os ganhos chegariam a US$ 346 milhões e, novamente, com protagonismo dos termos de troca (US$ 245 milhões - termos de troca; e US$ 142 milhões - efeitos alocativos).

Conforme salientado por Domingues, Haddad e Hewings (2008), os resultados obtidos em simulações de modelos de EGC são muito sensíveis aos valores assumidos para as elasticidades, especialmente as elasticidades de substituição (ESUBD, ESUBT e ESUBVA). A redução (aumento) dos valores destas variáveis limita (amplia) os ganhos de bem-estar decorrentes das reduções tarifárias. Para testar a sensibilidade dos resultados obtidos, os valores originais das elasticidades de substituição foram reduzidos e aumentados em 50%. A análise de sensibilidade estima a média e o desvio-padrão destas elasticidades dentro deste intervalo de variação e estes foram empregados para calcular os valores de bem-estar para cada região com intervalo de confiança de 93,75%, usando a desigualdade de Chebyshev's (tabela 11)19.

Tabela 11. Intervalo de confiança dos valores de bem-estar devido às mudanças nas elasticidades de substituição (US$ milhões)

É possível observar que os desvios-padrões não são elevados em relação à media na maioria dos casos, variando entre 0,04 e 0,37. Como resultado, na simulação da formação da UNASUL pode-se ter 93,75% de confiança de que Brasil, Resto do MERCOSUL e Resto da América do Sul se beneficiariam com a integração, enquanto as demais regiões perderiam, em termos de bem-estar. Como destacam Domingues, Haddad e Hewings (2008), a análise de sensibilidade fornece uma informação relevante que não é revelada quando se examina somente o valor médio esperado. Para o Brasil, por exemplo, o intervalo de confiança aponta que os ganhos de bem-estar estariam assegurados, variando entre US$ 208 e US$ 488 milhões. Já a integração Brasil-NAFTA, embora mostre maiores ganhos potenciais de bem-estar para o Brasil, podendo chegar a US$ 1,1 bilhão, não permite que se tenha, ao nível de confiança estabelecido (93,75%), a garantia de que esses ganhos se concretizariam, podendo gerar uma perda de até US$ 204 milhões. O NAFTA, por sua vez, obteria ganhos ao nível de confiança determinado, que poderiam alcançar até US$ 2,851 bilhões.

A comparação entre os dois tipos de acordos comerciais realizada nesse artigo mostra que a integração do tipo Sul-Sul embora possa gerar benefícios para o Brasil, tanto relativos ao bem-estar como de exportações de bens de mais alta intensidade tecnológica, parece que encontra um limite na dimensão da estrutura industrial dos parceiros comerciais. Já o acordo Sul-Norte, entre o Brasil e os países do NAFTA, mostrou resultados mais expressivos em ambas as dimensões (comercial e bem-estar), embora não assegure ganhos de bem-estar, de acordo com a análise de sensibilidade. Esses resultados, embora obtidos por meio de uma metodologia diferente, se opõem aos encontrados por Dahi e Demir (2008), que apontavam que apenas o crescimento do comércio entre países em desenvolvimento seria capaz de estimular as exportações de manufaturas.

Nesse sentido, dada a complementaridade desses acordos, a melhor alternativa para o Brasil seria a busca de um regionalismo aberto, fazendo parcerias tanto do tipo Sul-Sul como Sul-Norte. Mas, para isso ocorrer, é necessário que o MERCOSUL dê um passo atrás e se transforme em uma zona de livre comércio ou que os países do bloco permitam que os seus membros firmem acordos extrabloco em velocidades distintas, resultando, eventualmente, em processos de negociações separados. Assim, seria possível ao Brasil ampliar a sua participação, ainda bastante restrita, conforme constatado por Thorstensen e Ferraz (2014), em processos de integração fora do âmbito do bloco, tanto com países em desenvolvimento como desenvolvidos.

CONCLUSÕES

No artigo foram examinados os efeitos da formação de uma zona de livre comércio entre os países da América do Sul, baseados na hipótese de que o comércio do tipo Sul-Sul estimularia as exportações de produtos manufaturados, por meio de um modelo de EGC. Foi possível constatar que, de fato, a formação de um acordo comercial entre os países da América do Sul iria não apenas incrementar o comércio na região, mas, principalmente daqueles produtos de alta e média-alta intensidades tecnológicas. Em todos os grupos de países examinados da região, houve um maior dinamismo das exportações de produtos deste segmento, com as exportações totais brasileiras deste setor crescendo 1,7%. A integração comercial desses países iria, assim, aumentar ainda mais a já elevada concentração de exportações de produtos de maior conteúdo tecnológico entre os países sul-americanos.

Esses resultados vão ao encontro da literatura que aborda esse tema, que aponta uma tendência de aumento do comércio Sul-Sul com ênfase nas exportações de produtos manufaturados, como destacam Dahi e Demir (2008). Nesse sentido, conforme apontam Amsden (1987) e Lall (1987), a criação da zona de comércio preferencial poderia criar oportunidades para ganhos dinâmicos a partir da transferência de tecnologia entre os países da região, dada a similaridade do padrão de produção.

No entanto, a simulação que criou um acordo preferencial entre o Brasil e os países do NAFTA mostrou que os ganhos absolutos para o Brasil, no que se refere tanto às exportações como ao nível de bem-estar, seriam maiores no caso da integração Sul-Norte em relação à integração Sul-Sul. Embora as exportações brasileiras de produtos primários tenham se destacado no comércio com o bloco norte-americano, também houve um aumento expressivo das exportações de manufaturas para aquele bloco. O aumento das exportações de manufaturados do Brasil para aquele mercado, tanto de baixa como de alta intensidades tecnológicas, foi superior ao observado nas exportações brasileiras para os países da América do Sul no cenário UNASUL.

Portanto, a formação de acordos de livre comércio do tipo Sul-Sul, apesar de gerar benefícios, expressos principalmente na forma de aumento de bem-estar e de exportações de bens de mais alta intensidade tecnológica para os países envolvidos, parece ser limitada pela própria dimensão da estrutura industrial dos parceiros comerciais. Os resultados das simulações sinalizam que a melhor alternativa para o Brasil não seria firmar acordos somente com países de nível de desenvolvimento similar ao seu. Melhor seria a busca de um regionalismo aberto, fazendo parcerias tanto do tipo Sul-Sul como Sul-Norte.

Notas
° Delago Morais, M., Massuquetti, A., & Zago de Azevedo, A. F. (2018). O brasil e a integraçao com as americas: comercio sul-sul e sul-norte. Estudios económicos, 35 (70), 27-56.
1 Entre o final dos anos 1990 e o início dos anos 2000, já havia uma série de estudos mostrando os problemas enfrentados pelos blocos na América do Sul para cumprir as regras estabelecidas, especialmente no MERCOSUL (Laird, 1997; Preusse, 2001).
2 O MERCOSUL foi criado em 1991, enquanto a CAN em 1969 sob o nome de Pacto Andino, sendo relançado em 1996.
3 Vale ressaltar que o MERCOSUL não avançou nas negociações para um mercado comum desde meados dos anos 1990.
4 Lawrence (1996) aborda a questão da integração profunda em países em desenvolvimento.
5 Os diferentes posicionamentos dos países do MERCOSUL em relação à formação de APCs com outros países/blocos têm limitado as oportunidades de integração do bloco, especialmente com a União Europeia (Messerlin, 2013). Como resultado, tem se disseminado a ideia de uma maior flexibilização do MERCOSUL, permitindo que os seus membros firmem acordos extrabloco em velocidades distintas. Ou seja, mesmo a manutenção do bloco não impediria, necessariamente, processos de negociações separados.
6 A literatura utiliza o termo Norte para identificar as economias industriais desenvolvidas e Sul para denominar os países em desenvolvimento (Greenaway; Milner, 1990).
7 Frischtak e Belluzzo (2014) questionam a associação direta entre produção de manufaturas e desenvolvimento, mostrando uma série de exemplos de países que conseguiram se desenvolver a partir da exploração de recursos naturais.
8 Mais recentemente, UNCTAD (2005) destacou que, além das menores taxas de crescimento dos países desenvolvidos, a existência de barreiras comerciais sobre setores importantes dos países em desenvolvimento criou uma razão adicional para estimular o comércio Sul-Sul. Além disso, também destaca que o rápido crescimento de países asiáticos em desenvolvimento reduziu a necessidade dos países do Sul buscarem os mercados do Norte para obterem ganhos associados à maior escala de produção.
9 Chudnovsky (1989) aponta que em certas indústrias, especialmente a automobilística, o comércio Sul-Sul estimulado pela formação do MERCOSUL entre Brasil e Argentina, permitiu o avanço tecnológico em países de renda média que, inclusive, abriu mercados em países do Norte.
10 Conforme destacam Nakahodo e Jank (2006), a ideia de reprimarização das exportações brasileiras deve ser relativizada. Mesmo commodities utilizam insumos tecnologicamente avançados, como grãos geneticamente modificados e máquinas e equipamentos de transporte sofisticados. Assim, mesmo a soja em grão apresenta algum conteúdo tecnológico indireto em seu processo de produção.
11 De acordo com os resultados, o comércio Sul-Sul de manufaturas cresceria entre 15% e 61% ao ano devido à formação de APCs, enquanto não haveria acréscimo nas exportações de manufaturas do Sul em acordos Sul-Norte.
12 O ponto máximo da participação entre os membros foi no ano de 1998, quando as exportações para membros da UNASUL atingiram 29% do total exportado. (CEPAL, 2014).
13 Carneiro e Oliveira (2014) também observaram que há uma distinção no comércio Brasil-UNASUL e Brasil-mundo, tanto no que se refere aos setores predominantes, quanto às classificações de acordo com a intensidade tecnológica dos produtos importados e exportados.
14 A versão 9 da base de dados do GTAP ainda não se encontrava disponível quando da elaboração desse artigo.
15 Deve-se destacar que o NAFTA não negocia em bloco e entre os seus membros existe o México com o qual os países do MERCOSUL têm assinado um acordo preferencial restrito e um acordo automotivo amplo no caso do Brasil. Nesse sentido, seria importante, em trabalhos futuros, separar o México dos demais países do NAFTA.
16 As tarifas bilaterais incluem as preferências dentro dos acordos comerciais já vigentes. No caso do MERCOSUL, o bloco já tinha nesse período acordos de liberalização comercial parcial com todos os países da América do Sul. Em alguns casos, em total vigor, como o Chile, e em outros num processo lento de desgravação tarifária (Colômbia, Peru, Equador e Venezuela). O acordo com a Bolívia é de 1996. As barreiras não-tarifárias não são incorporadas à estrutura tarifária.
17 As elasticidades de substituição do GTAP foram obtidas a partir do estudo de Zeitsch et al. (1991). Elas se baseiam em uma revisão de estudos econométricos que estimaram esses parâmetros para vários setores, utilizando uma ampla gama de países.
18 O aumento de apenas 0,56% das exportações totais desses setores pelos países da América do Norte geraria um acréscimo de US$ 5,9 bilhões, enquanto a elevação de 2,9% do Brasil aumentaria as exportações totais do segmento em apenas US$ 1,4 bilhão.
19 O intervalo de confiança de 93,75 foi obtido pela subtração e adição à média de 4 desvios-padrão.

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